21 de Maio de 2020
As crises não epiléticas são episódios de alteração súbita ou gradual do comportamento, movimento, sensação ou consciência, semelhantes a crises epiléticas mas que NÃO são causados por uma alteração na atividade elétrica do cérebro, ao contrário das crises epiléticas.
Elas podem ser divididas em dois tipos: as orgânicas com uma causa física, como por exemplo, níveis baixos de açúcar no sangue (hipoglicémia), alterações no funcionamento do coração ou outras; e as psicogénicas ou também designadas de funcionais ou pseudocrises (em inglês, Psychogenic Nonepileptic Seizures ou PNES), que têm uma causa psicológica.
As nossas emoções podem, por vezes, causar reações físicas. Quando estamos assustados podemos ter sintomas físicos como o coração acelerado ou suar. Quando nos sentimos tristes, podemos chorar. Os sintomas das crises não epiléticas psicogénicas podem incluir palpitações (conseguir sentir os batimentos cardíacos), suor, boca seca e hiperventilação (respirar muito rápido). Outros sintomas podem ser semelhantes aos das crises epiléticas, como perda de consciência, perda de sensibilidade ou perda de controlo sobre os movimentos corporais.
Não existe uma causa única.
Qualquer experiência que tenhamos, boa ou má, pode ter um efeito profundo e duradouro em nós e todos temos a nossa forma de lidar com elas.
As crises não epiléticas psicogénicas representam a resposta física a um stress emocional ou físico. Esta resposta não é controlada conscientemente, ou seja, não é propositada e o indivíduo pode não estar ciente de qualquer fator psicológico ou stressante.
As crises podem iniciar-se logo após um evento específico, até anos depois, ou podem começar sem razão aparente. Uma vez que se iniciam, podem ser despoletadas por emoções fortes, estímulos visuais, auditivos ou acontecer espontaneamente, sem razão aparente.
As experiências que podem estar na base destas crises podem ser: acidentes graves, uma experiência emocional forte (tal como o falecimento de um ente querido), stress psicológico (tal como o divórcio), conflitos pessoais ou familiares, abuso emocional (por exemplo, ser vítima de bullying), físico ou sexual.
Estas crises podem acontecer a qualquer um, em qualquer idade. No entanto, sabemos que são mais comuns no sexo feminino (rácio de cerca de 3:1) e em jovens adultos (entre os 15 e os 35 anos de idade). São também mais prováveis em pessoas que sofreram de perturbação emocional ou evento stressante na vida (por exemplo, abuso sexual, emocional ou físico), sendo que cerca de metade dos doentes têm história de perturbação de stress pós-traumático. Cerca de 4 em cada 5 pessoas com crises não epiléticas psicogénicas têm história de doença psiquiátrica, tal como depressão, ansiedade, perturbações de personalidade ou abuso de substâncias. É possível ter epilepsia e também crises não epiléticas psicogénicas. Na verdade, até 25% das pessoas com crises não epiléticas psicogénicas também têm epilepsia.
O diagnóstico pode ser difícil visto que estas crises se assemelham a crises epiléticas, não havendo sintomas que definitivamente as distingam.
Pode ser mais fácil para os médicos tentar excluir possíveis causas físicas primeiro, incluindo a epilepsia. Esta avaliação inclui:
– história médica, neurológica e psiquiátrica completa;
– descrição dos episódios (pelo doente e uma testemunha) e/ou observação de vídeo caseiro; – análises ao sangue e outros exames, incluindo TC (tomografia computorizada) ou RM (ressonância magnética)
cerebral;
– EEG (eletroencefalograma) para registar a atividade elétrica do cérebro;
– monitorização vídeo-EEG (realizar um EEG e ser filmado ao mesmo tempo) antes, durante e depois de um evento. Este é considerado o exame gold standard, ou o melhor exame para diferenciar crises epiléticas de crises não epiléticas. Nas últimas, não se regista alteração da atividade elétrica cerebral apesar dos sinais físicos e comportamentais que se observam.
Durante uma crise
As recomendações gerais de primeiros socorros para crises não epiléticas são as mesmas que para as crises epiléticas: – manter a pessoa segura. Se estiver caído, colocar algo mole debaixo da sua cabeça para a proteger; – colocar a pessoa na posição lateral de segurança;
– deixar a crise acontecer, não agarrar ou imobilizar a pessoa;
– permanecer com a pessoa até ter recuperado.
Considerações gerais sobre o tratamento
O tratamento depende de vários fatores, incluindo a causa das crises e os antecedentes médicos do doente. Alguns princípios básicos importantes no tratamento incluem:
– dieta saudável e refeições frequentes como parte da rotina diária;
– exercício físico diário. Até uma simples caminhada de 20 minutos diária pode fazer diferença. Consulte o seu médico
antes de iniciar uma rotina de exercício físico;
– garantir um sono de qualidade. Se tiver problemas de sono, fale com o seu médico;
– manter relações sociais saudáveis com família e amigos e manter as atividades de rotina, tais como trabalho, estudo
e atividades de lazer;
– aceitar o diagnóstico e partilhar abertamente os sentimentos acerca das crises com a equipa médica e família.
Tratamento farmacológico
Não existem medicamentos que comprovadamente tratem as crises não epiléticas psicogénicas. As crises não epiléticas não vão responder a fármacos antiepiléticos. No entanto, se o doente também sofrer de epilepsia, habitualmente os fármacos antiepiléticos são necessários para o tratamento das crises epiléticas. Se coexistirem outras patologias como ansiedade ou depressão, pode ser útil a utilização de outro tipo de medicação, tais como antidepressivos ou ansiolíticos.
Tratamento não farmacológico
Os profissionais de saúde mental, incluindo psiquiatras e psicólogos, estão treinados em diferentes formas de psicoterapia, sendo uma das mais estudadas e recomendadas para o tratamento das crises não epiléticas psicogénicas a Terapêutica Cognitivo-Comportamental (TCC). Pode ser usada isoladamente ou em combinação com outras terapias. É uma terapia também utilizada no tratamento da depressão, ansiedade e perturbação de stress pós- traumático. É uma ferramenta que aborda a forma como uma pessoa encara as situações, como elas a afetam física, emocionalmente e o seu comportamento. Assim, ajuda a aprender estratégias para mudar os pensamentos e comportamentos relacionados com os sintomas das crises.
Entre 20-50% das pessoas deixam de ter crises não epiléticas psicogénicas assim que se faz o diagnóstico e sem qualquer tratamento específico. Isto acontece mais frequentemente em crianças. Outros fatores que tornam a remissão mais provável incluem uma menor duração da doença e a presença de sintomas psiquiátricos apenas ligeiros. Cerca de metade das pessoas submetidas a psicoterapia, melhoram após 3 meses de terapia.