O papel da matriz extracelular

Publicamos aqui o texto gentilmente enviado por Eduardo Morais (MSc), um jovem investigador português a trabalhar numa área relativamente nova e promissora na investigação básica em epilepsia: o papel da matriz extra-celular nos mecanismos da epileptogénese e a exploração das possibilidades terapêuticas daí emergentes.

O papel da matriz extracelular

“É possível curar a epilepsia simplesmente ao manter os nossos cérebros numa casa arrumada? Nós, um grupo vasto de especialistas acreditamos que sim! Nasceu assim o consórcio ECMED apoiado pela União Europeia (Marie Sklodowska-Curie grant agreement No 642881) que estuda o papel da matriz extracelular nesta doença e inclui várias universidades, centros de investigação científica e empresas de biotecnologia de 9 países Europeus. Tendemos a avaliar o bom-funcionamento do cérebro apenas pela atividade dos nossos neurónios, mas na verdade os neurónios não estão sozinhos, dependem imenso da sua interação com vários parceiros e do ambiente em que se encontram. A matriz extracelular é como uma rede que confere suporte estrutural aos neurónios e lhes permite ocupar o seu lugar correto, estabelecer as conexões certas e ajudar a sua comunicação com o ambiente envolvente. No fundo, é uma estrutura que permite manter o cérebro arrumado.

Podemos prever então, que se esta rede for danificada, o funcionamento do nosso cérebro se vai ressentir. É isso mesmo que observamos no caso da epilepsia! Entender até que extensão danos na matriz extracelular levam a um diagnóstico de epilepsia, e como é que podemos alterar esta relação entre matriz e atividade neuronal para contrariar a doença, são os maiores objetivos deste consórcio.

Desde 2015, que doze jovens cientistas muito motivados, dos quais um português, têm levado a cabo estudos neste sentido. As linhas de investigação e mais detalhes sobre cada projeto individual podem ser consultados no nosso website (http://www.ecmed-itn.eu/). Dividem-se genericamente em três direções: novas ferramentas de diagnóstico (1), novos mecanismos de doença que possam ser alvo de novas terapias (2), e teste de novos medicamentos num nível pré-clínico (3).

Como exemplos, na Universidade da Finlândia Oriental (UEF) e Universidade de Amesterdão (AMC) a investigação tem-se focado na descoberta de novos marcadores de epilepsia, isto é, novas formas de diagnosticar esta doença em estádios mais iniciais do seu desenvolvimento, o que já resultou em publicações científicas. Parceiros como o Instituto Italiano de Tecnologia (IIT) e a Universidade Colégio de Londres (UCL) têm-se focado nos mecanismos da doença, nomeadamente o papel de proteínas como as integrinas e a LGL1 neste processo. Estudos que permitiram chegar ao nosso terceiro grande objetivo, o de testar novas terapias para a epilepsia. Neste sentido, em Barcelona a empresa Iproteos produziu com sucesso inibidores da enzima MMP9 que foram testados em Magdeburgo no Centro Alemão para Doenças Neurodegenerativas (DZNE) e cujos resultados promissores serão tornados públicos em breve. Neste momento, fruto das minhas observações no IIT, encontro-me na Alemanha a testar um medicamento que interfere com a interação entre as integrinas e a matriz.

Temos consciência que muito caminho ainda está por percorrer para que o nosso trabalho afete a vida dos pacientes, mas continuamos a trabalhar com muita motivação e dedicação para o alcançar! O consórcio ECMED encontra-se já na sua fase final com a maioria dos seus objectivos alcançados (que podem ser consultados no nosso website), mas já em Maio os estudantes ECMED passam o testemunho, partilhando as suas experiências e descobertas, aos investigadores de um novo consórcio europeu EU-GliaPhD (http://www.eu-gliaphd.eu/). É bom saber que a União Europeia continua a investir na investigação em epilepsia e, da nossa parte, esperamos que em breve seja possível abranger todos os pacientes de epilepsia com medicações eficazes! “

Eduardo Morais, MSc