DIETA CETOGÉNICA

A epilepsia
e dieta cetogénica

31 de Março de 2020

1. O que é a dieta cetogénica?

A dieta cetogénica (DC) é um tipo de dieta com elevado teor em gorduras (lípidos) e baixo teor em açucares (hidratos de carbono) utilizada como tratamento para a epilepsia refratária, ou seja, epilepsia que não se encontra controlada com a medicação antiepilética.
A palavra “cetogénica” significa “produtora de cetonas”. As cetonas (ou corpos cetónicos) são formadas quando o organismo utiliza a gordura como fonte de energia, imitando uma situação de jejum prolongado. A DC, ao fornecer uma grande quantidade de lípidos obriga o organismo a alterar o seu metabolismo, o que leva à produção de cetonas, que são substâncias que têm propriedades anticonvulsivantes.
Esta dieta como tratamento para a epilepsia deve ser prescrita por um médico e cuidadosamente monitorizada por um nutricionista.

2. Qual o mecanismo de ação da dieta cetogénica?

A DC, através da produção de cetonas/corpos cetónicos, altera o metabolismo energético do cérebro, modifica os neurotransmissores predominantes (maior produção de GABA, que é um neurotransmissor inibitório), apresenta ação anti-inflamatória e estabiliza a membrana neuronal diminuindo a possibilidade de se gerar uma crise epilética. Níveis mais elevados de corpos cetónicos no sangue possibilitam um melhor controlo das crises.

3. Quem pode beneficiar da dieta cetogénica?

A DC está indicada em crianças e adultos com epilepsia refratária, que continuam a ter crises apesar da toma de medicação antiepilética ajustada à sua situação clínica. Aproximadamente metade dos doentes que iniciam DC apresentam uma redução das crises superior a 50%. Em determinados tipos de epilepsia chega mesmo a ser o tratamento de eleição (doenças metabólicas como por exemplo o défice de GLUT-1).
A DC demonstrou ainda benefícios adicionais, nomeadamente o aumento do nível de atenção e de uma maior atividade e capacidade de interação social.
Os objetivos do tratamento com esta dieta são:
-Melhorar o controlo das crises;
-Melhorar o comportamento e a interação;
-Reduzir a utilização de medicamentos antiepiléticos e consequentemente minimizar os seus efeitos secundários; – Melhorar a qualidade de vida dos doentes e familiares.

4. Existem contraindicações à dieta cetogénica?

Existem contraindicações absolutas, nomeadamente um grupo de doenças metabólicas que devem ser excluídas antes do início da DC já que podem agravar com a dieta (ex. acidúrias orgânicas, distúrbios da oxidação de ácidos gordos, porfiria, entre outros). Podem ainda verificar-se contraindicações relativas como dificuldades no cumprimento do esquema de DC por parte dos pais ou cuidadores, diabetes mellitus, incapacidade da criança em manter um crescimento adequado, entre outras.

5. Quais os tipos de dieta cetogénica?

Existem três tipos principais de DC. A DC clássica (dieta com triglicéridos de cadeia longa, dieta com triglicéridos de cadeia média e combinada); e outras duas dietas alternativas, a dieta de Atkins Modificada e a de Baixo Índice Glicémico. O que distingue as dietas entre si é o tipo de lípidos utilizados e a sua proporção relativamente à quantidade de hidratos de carbono e proteínas. A eficácia dos diferentes tipos de dietas é semelhante.
A DC “clássica” utiliza um ratio gorduras:hidratos carbono e proteínas de 4:1 ou 3:1, fornecendo 90% da energia para o organismo sob a forma de gorduras. Entre os alimentos que fornecem mais gordura estão os ovos, natas, manteiga, óleos, maionese e queijo (ver pirâmide alimentar no fim do folheto). Existem ainda preparados em pó que, ao serem diluídos, podem ser utilizados como dieta líquida. Estas fórmulas podem ser administradas como alimentação exclusiva ou como parte de qualquer das DC previamente citadas.
Todos os doentes fazem também suplementação com multivitamínicos contendo minerais e oligoelementos, cálcio e vitamina D, podendo ser necessários outros suplementos adicionais em casos específicos.

6. Como iniciar esta dieta?

Antes de iniciar a DC é necessária uma avaliação do doente pela equipa multidisciplinar responsável pela DC que inclui obrigatoriamente um médico e um nutricionista. No caso de crianças pequenas ou com outras doenças associadas, pode ser necessário um internamento curto (cerca de 3 dias) para iniciar a dieta. Os procedimentos a realizar incluem análises ao sangue e urina, podendo ser necessários outros exames de acordo com cada caso.

7. Como é feito o seguimento dos doentes que iniciam DC?

Após o início da DC, é necessária uma monitorização periódica por parte da equipa responsável. A monitorização do tratamento realiza-se aos 15 dias, 1 mês, 3 meses, 6 meses, 12 meses, 18 meses e 24 meses após a implementação da dieta. Em cada uma dessas visitas é realizada uma avaliação nutricional, uma avaliação médica, assim como um estudo analítico sanguíneo, urinário e eletroencefalográfico.
Ao longo do tempo o doente poderá necessitar de ajustes à sua dieta como consequência da evolução do peso, intolerância/efeitos secundários, ou alterações analíticas que o justifiquem.

8. Quais os efeitos secundários associados?

Atendendo a que a DC não é uma dieta equilibrada, esta pode levar ao aparecimento de efeitos secundários e desequilíbrios nutricionais. Os efeitos secundários a curto prazo podem incluir hipoglicemia (“açúcar baixo”), sonolência, desidratação, e sintomas do foro gastrointestinal como náuseas, vómitos, diarreia ou obstipação. A longo prazo os efeitos secundários podem incluir o atraso de crescimento, aumento dos níveis de gorduras no sangue, alteração da função cardíaca, formação de cálculos renais, alterações na estrutura óssea, anemia, alterações imunológicas, infeções recorrentes, entre outros.
A equipa responsável deverá identificar a existência de efeitos secundário para que seja otimizada a dieta ou adotadas medidas terapêuticas que minimizem esses mesmos efeitos.

9. Qual a duração da DC e quando está indicada a sua interrupção?

A DC deve ser mantida durante pelo menos 3 meses para avaliar a sua eficácia. Recomenda-se uma duração de 2 anos, se a redução das crises for superior a 50%, podendo ser prolongada caso necessário.
Se não se verificar benefício e/ou ocorrerem efeitos secundários graves deve ser interrompida. A interrupção da DC deve ser sempre planeada com a equipa responsável, para que seja feita de forma faseada sob vigilância clínica e nutricional.

Em resumo…
– A DC é uma terapêutica eficaz, embora exigente, para crianças e adultos com epilepsia refratária.
– A sua implementação requer uma vigilância clínica regular com a equipa de profissionais de saúde responsável. – Para o sucesso terapêutico é muito importante o cumprimento rigoroso da dieta prescrita.

PIRÂMIDE ALIMENTAR
DA DIETA CETOGÉNICA

Adaptado de: Keto Food Pyramid. News Medical Life Sciences. Acedido em Março 2020